terça-feira, 30 de outubro de 2007

1ª Parte do 3º Capítulo "Morte e Vida"



O funeral foi uma cerimónia simples mas muito participada. Todos os habitantes da Floresta Dourada e arredores queriam dar o último adeus àquela que iria ser um dia a Rainha da Floresta Dourada, se a sua morte não a tivesse levado para o desconhecido. O caixão saiu em cortejo, com Rafael e os Reis logo atrás, seguidos de todos os outros. Todas as crianças levavam grandes ramos de flores, as mulheres choravam e os homens rezavam. O cortejo desceu o longo caminho térreo que separava o castelo do resto do mundo. A distância era longa, mas ninguém estava preocupado com isso. O silêncio reinava, apenas quebrado por alguns soluços e pelos cascos dos cavalos pretos que transportavam o caixão no coche reservado para aquelas ocasiões.
Safira seria sepultada na capela abandonada, como era seu desejo.
Ao passarem pela Clareira principal, o pai de Safira juntou-se a eles. Estava muito abatido. Quando Safira e Rafael se casaram, ela pedira ao pai para ir viver com eles no castelo, mas o velho lenhador recusara, alegando que nunca se iria habituar a todas aquelas mordomias, preferindo a vida simples que sempre tivera. Safira descia muitas vezes à floresta para visitar o pai e a mãe. O lenhador ficara muito contente ao saber que ia ser avô. Esperava esse dia com ansiedade, mas agora sofria por perder a filha. Ainda não tivera coragem de conhecer a neta, tal era a sua dor. Sentia-se vazio, perdera a mulher muito cedo e a sua filha partia ainda antes dele.
A procissão seguiu pelas entranhas da floresta, o mesmo caminho que fora pisado por Safira e Rafael, vinte anos antes. Foi com algum espanto que Rafael reparou nos muitos animais que se aproximavam para ver a multidão passar. Lebres e coelhos, pirilampos e borboletas, corsas e veados, aves e répteis, todos pareciam saber que acontecimento era aquele, querendo também despedir-se da eterna amiga. Muitas vezes Rafael dava pelo desaparecimento de Safira, descobrindo em poucos instantes que ela fora à floresta falar com os animais. Nem com o passar dos anos a esposa deixara de se comportar dessa forma. Quase todas as noites saía para a varanda do quarto, antes de se deitar, e observava e falava com a lua, sua fiel companheira. Nunca partilhara com o marido os temas da sua conversa. Safira sempre fora muito independente, poucas vezes deixando Rafael participar nos seus segredos. Nunca se habituara à vida de princesa, refugiando-se no seu canto. No entanto sempre fora muito querida por todos, incluindo os Reis. E mesmo com a sua vida muito própria, Rafael amava Safira, desde o momento em que a vira no baile da floresta, vinte anos antes.
Era em tudo isto que Rafael pensava, enquanto se aproximavam cada vez mais da capela.

Um sonho...


" ...Ele estava sentado no sofá do meu quarto, com um grande sorriso e olhar irresistível. Aproximei-me, sentei-me no seu colo como uma criança travessa e apertei-o nos meus braços. Há alguns dias que não nos viamos, um tempo que sempre me parece uma eternidade. Mas agora tinha-o bem perto de mim, disponível para matar as saudades de um longo fim-de-semana. E entre um beijo e um abraço, ele falou:
« Numa destas noites tive um sonho engraçado...»
« Conta!»
« Sonhei que tínhamos um bebé...»
Abri muito os olhos, surpreendida. Passei a mão pela face dele, espectante com o que se seguiria.
Ele continuou, com ar ligeiramente distante...
« Eu cuidava dele, punha-o a dormir...»
« E depois?»
« Depois, eu estava deitado numa daquelas camas de rede, no jardim... a dormir, com o bebé nos braços... e um gato enrolado aos meus pés...»
Soltei uma gargalhada, tentando imaginar a ternura da situação.
« E depois?»
« Depois... tu chegaste ao pé de nós e soltaste um sorriso... e eu acordei...»