sábado, 18 de abril de 2009

Prelúdio de "Lua e o Cavaleiro Negro"


"Após tantos anos, ainda não se habituara totalmente àquele lugar: escuro, frio, húmido, isento de vida, oco e perturbadoramente sufocante. Não passava de um buraco, uma gruta escondida nos recantos do mundo. Mas nunca se queixava. Aquele era o lar do Mestre, e não se via no direito de contrariar os seus gostos e opções. Só tinha a agradecer a bondade e a forma como fora acolhido, após tanto tempo perdido em ruas e vielas, passando fome, tremendo de frio, fugindo dos menos benévolos. Tempos que já lá iam, mas que deixaram a sua marca.
Estavam numa das muitas salas subterrâneas, de pé. O Mestre com as mãos unidas em frente ao peito, de costas para o pupilo, e voltado para a lareira improvisada. O pupilo, muito mais novo que o seu Mestre, fixava o chão, numa postura de obediência, esperando ordens. Os dois tinham conversado muito nos últimos dias, e chegaram à conclusão de que estava na altura de avançar.
- Sentes-te capaz de cumprir as minhas ordens? – a sua voz era tão suave, quase um murmúrio, uma canção de embalar.
- Sim, Mestre.
Ouvia-se o crepitar da lenha que ardia, acompanhado de um pingue-pingue constante das gotas que caiam do tecto, em intervalos pouco espaçados.
- Não permitirei falhas. Estarei atento a cada passo teu. Um erro, e acabarei contigo. Entendido?
- Entendido, Mestre. – respondeu, com um arrepio a percorrer-lhe todo o corpo. Levou uma mão ao pescoço, passando os dedos pelo sinal de nascença, uma pequena saliência avermelhada.
Em momento algum, o Mestre se virou para encarar o seu pupilo. Na verdade, este último nunca tivera o prazer de conhecer os traços faciais do seu tutor. Noxifer usava uma máscara de gesso, moldada às suas feições, pintada de preto e com uma espécie de cicatriz vermelha, bem a meio da face esquerda.
- Espalha a destruição. E traz-me o coração dela numa bandeja.
Ouvindo isto, o mais novo vestiu a sua longa capa preta, colocou o capuz que lhe caiu sobre a face, ocultando-a, e partiu."