sexta-feira, 11 de julho de 2008

7ª (e última) Parte do 5º Capítulo "Um dia no castelo"




Rossana sorriu. Eram tão raras as vezes em Lua lhe dirigia a palavra, que mesmo um insulto teria sido bem-vindo.
- Porque me pagam para olhar por si, e não para comer consigo. Tenho um horário a cumprir, e dentro desse horário não me posso dar a pequenos prazeres, como comer. - Rossana era de facto uma moça bonita, com o cabelo castanho muito liso e certinho, preso atrás, uma face morena mas de traços delicados, olhos azuis e expressivos.
- Sabes, quando eu for Rainha, todas estas regras vão acabar. Vou tomar banho só quando quiser, brincar com as minhas bonecas todos os dias e comer quando me apetecer. Ah, e o pequeno-almoço tem de ser levado ao meu quarto. E, claro, o meu avô vem viver comigo, porque eu gosto muito dele e não quero que ele fique sozinho. - falava com um ar muito sério, e Rossana esforçou-se para não soltar uma gargalhada. Era um belo sonho de criança. - E depois vou arranjar uma noiva para o meu pai, porque ele precisa de companhia. Tu tens namorado, Rossana? - Lua não se apercebeu de como estava tagarela nesse dia, mas tudo se devia ao facto de no dia seguinte ir visitar o seu avô e ouvir mais histórias sobre a sua mãe. Rossana ficou espantada com o inesperado à vontade da Princesa, e ainda mais espantada com a pergunta.
- Não, menina, não tenho namorado. Como poderia ter, se vivo dentro deste castelo? Só se fosse alguém que trabalhe cá também. Mas não, menina, já tive muitas desilusões por causa dos homens. - começou a mexer no cabelo nervosamente. Não era o assunto que mais lhe interessava, devido à mágoa do seu passado.
Lua estava tão entretida em mastigar uma fatia de bolo de chocolate, baloiçando os pés, que nem se apercebeu do embaraço de Rossana.
- Podias casar com o meu pai. Eu sei que ele parece mau, mas eu acho que podia ser simpático contigo. Tu és bonita. - sorriu, com os dentes cheios de chocolate e Rossana repreendeu-a, também com um sorriso nos lábios.
- Não diga tolices, menina! O seu pai é o futuro Rei da Floresta Dourada, e eu sou apenas uma empregada. Não pode dizer parvoíces dessas! - nesse momento, a porta da entrada bateu e segundos depois, Rafael surgiu, também com a cara rubra, pegou numa fatia de bolo, cumprimentou Lua com um ligeiro aceno de cabeça e subiu, sem sequer olhar para Rossana, que ficara de repente muito vermelha.
- Tens razão, Rossana. Não é boa ideia casar com o meu pai. Ele é muito casmurro. Mas o que achas de casares com o meu avô que vive na Floresta? - as duas soltaram uma grande gargalhada devido ao absurdo da situação.
Depois do lanche, Lua voltou ao quarto onde ficaria até à hora do jantar. Era o maior intervalo de tempo em que podia fazer o que quisesse. Era por essa altura que Lua costumava desaparecer para visitar o avô.
Correu para o seu quarto de brinquedos, onde inventou histórias de fantasia entre peluche e bonecas, foram à feira, ao teatro, contou histórias. Lua não conhecia outras crianças, então tivera que aprender a divertir-se sozinha. Às vezes gostaria de ter um amigo, mas sempre fechada naquele castelo era impossível. Quando ia visitar o avô e via crianças a brincar juntas, tinha vontade de lhes fazer companhia.
Brincou até se cansar, farta de falar para quem não responde. Além de que a sua imaginação já dera o que tinha para dar nesse dia. Arrumou tudo no sítio, como sempre lhe tinham ensinado a fazer, e deitou-se em cima da cama, a olhar a pintura do seu tecto. Perguntou-se porque a mãe escolhera aquele nome para si. Era muito bonito, mas admitia ser um pouco estranho.
Ao fim de alguns minutos também se fartou de olhar para o tecto e foi até à varanda. O sol estava prestes a pôr-se por trás das grandes árvores, o que pintava um bonito quarto. Mas Lua estava irrequieta nesse dia e não queria ficar fechada naquele quarto. Saiu, muito silenciosamente, para que ninguém a ouvisse, e pôs-se a explorar os corredores. Não conhecia nem metade do castelo e como era constantemente vigiada, eram raras as vezes em que podia descobrir um pouco mais sobre o sítio onde morava. Havia quartos fechados à chave, salões de baile que não eram usados desde a morte de Safira, corredores que não davam a lugar algum.
Seguiu pelo lado direito, pois o esquerdo daria ao andar de baixo, e passou pelo quarto do pai em bicos de pés. Sabia que o pai estaria lá dentro e não queria chateá-lo. Avançou em passo ligeiro até um corredor muito mal iluminado e que dava acesso a uma porta fechada. Lua já tentara abri-la, mas sem resultado. Sabia que aquele quarto escondia algum segredo. Já vira o pai sair de lá com ar de caso. Um dia, Lua encostou o ouvido à porta e ouviu vozes. Não conseguiu reconhecer qualquer uma delas, para além de que pareciam muito distantes. Espreitara pelo buraco da fechadura, mas as luzes estavam todas apagadas.
Olhou por cima do ombro, para ter a certeza de que não estava a ser seguida, e encostou o ouvido à porta. Mais uma vez, distinguiu duas vozes diferentes, mas não percebeu o que diziam. Espreitou pelo buraco da fechadura e admirou-se ao verificar que as luzes estavam acesas. Lá dentro viu alguém de costas, quase encostado à porta. Não distinguiu o que quer que fosse, nem mesmo a cor da roupa de quem estava lá dentro. Pareciam sussurrar e Lua ficou cada vez mais curiosa. O que, ou quem, escondiam naquele quarto? Tinha medo de perguntar ao pai, pois assim estaria admitir que saíra do quarto para espiar, mas a verdade que a curiosidade estava a consumi-la. Estava prestes a desistir, quando algo aconteceu. A pessoa que estava de costas para a porta desviou-se e numa questão de segundos, Lua vislumbrou um rapaz da sua idade, sentado numa cadeira, ao fundo do quarto. Pouco ou nada memorizou do aspecto do rapaz, por ter sido tão rápido, mas percebeu que a diferença de idades entre eles não devia ser muita.
Teve de correr para o seu quarto, pois nesse momento a pessoa que estivera de costas para a porta estava agora a abri-la. Ficou agradecida pelo facto de terem fechado a porta à chave, pois assim ainda teve tempo de se escapulir e chegar ao quarto sem que ninguém se apercebesse de nada.
Entrou no quarto com a respiração pesada e muito corada. Sentou-se na cama, fingindo que nada se passara, pois Rossana deveria estar mesmo a chegar para chamá-la para jantar. Descobrira o que se escondia por detrás daquela porta. Ou pelo menos, descobrira parte do que se escondia naquele quarto. Faltava agora saber quem era o rapaz, porque se escondia no castelo e quem era a pessoa com quem ele falava.
Não pôde pensar muito no assunto, pois logo bateram à porta e Rossana entrava para anunciar a hora do jantar. Fingindo ser uma menina bem comportada, Lua correu para a casa-de-banho, para lavar as mãos com água de rosas, e aproveitou para passar o seu rosto também por água e assim refrescá-lo.
O jantar nessa noite correu com tranquilidade, sem qualquer tipo de percalços, e basicamente em silêncio. A avó perguntou como correu a aula de equitação, Lua respondeu que correu bem. O pai perguntou ao avô se aqueles papéis estavam tratados e ele respondeu que sim. Nada de novo que valha a pena recordar.
Como sempre, depois do jantar, todos subiram para os seus quartos para descansar e mais tarde dormir. Deitavam-se cedo, já que acordavam cedo também.
Rossana subiu com Lua, para ajudá-la a deitar-se e ler-lhe uma história. Eram raras em vezes em que a Princesa ouvia a história até ao fim, pois acabava sempre por adormecer a meio. Porém, naquela noite, Rossana teve que ler duas histórias, até que conseguiu adormecer a menina. Lua estava agitada, ansiosa pelo dia seguinte. Pela primeira vez não teria medo de chegar a casa e de ouvir uma reprimenda do pai, pois ele, desta vez, nada podia fazer.
Aquele dia foi diferente para Lua. Afinal, nesse dia, a pequena Princesa comportara-se como uma criança travessa de seis anos, e não como a mulher que crescera dentro dela havia meses.