quarta-feira, 15 de agosto de 2007

9ª Parte do 1º Capítulo "Safira"


Também era o primeiro Baile de Safira. O pai sempre aconselhava a filha para que fosse, mas ela alegava que preferia ficar a fazer-lhe companhia. Porém, nesse ano, o motivo fora mais que forte. E estava a divertir-se bastante, mais do que alguma vez imaginara. Voltou à mesa para pegar num grande pedaço de pão ainda quente e regressou ao seu lugar, sempre a sorrir. Uma ou duas pessoas acenaram-lhe. Conheciam-na como sendo a filha do lenhador. Safira não tinha amigas. Apenas um amigo: o pai. Não confiava em mais ninguém, senão nele. E por isso se encontrava sempre tão só.
Olhou toda a Floresta à sua volta. Conhecia cada recanto daquela Clareira e cada uma das árvores à sua volta. A sua favorita era aquela em que instalava o baloiço fabricado pelo pai. De cada um dos lados do pequeno pedaço de madeira que servia de assento, saía uma corda que Safira prendia num dos ramos daquela árvore, que se encontrava, nesse momento, parcialmente oculta pelos bancos destinados à família Real.
A cada momento que passava, as mesas iam ficando mais vazias e as pessoas cada vez mais satisfeitas. Os nervos das raparigas começavam a aumentar. A tão esperada hora não tardava em chegar. Assim que toda a gente se fartou de comer, Safira viu os Reis dirigirem-se para os seus bancos, seguidos pelo Príncipe e pelo cocheiro. O Rei permaneceu de pé, pedindo silêncio, tal como acontecera anteriormente. Rafael e a Rainha sentaram-se. Safira pôs-se de pé, pois novamente a multidão a engoliu. Viu uma rapariga arranjar o cabelo a outra.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Só para aguçar a curiosidade...


Ana leu a carta pela milésima vez desde que chegara a casa, não se cansando de recordar todos os momentos que vivera ao lado de Gabriel e perguntando-se se tudo aquilo fora realidade. Não chorou. As lágrimas haviam secado. Para sempre. Sentada no sofá, de braços cruzados, olhava a lareira, onde o seu diário ardia vorazmente. Ali escrevera muitas vezes, com o objectivo de imortalizar todos os bons e maus momentos que passara. Se Gabriel lhe pedia para que conservasse a história deles oculta, aquele era um bom princípio. Releu a carta dele uma última vez, antes de a lançar também ao fogo, sentindo uma pontada no coração. Ficou ali, vendo as suas memórias desvanecerem-se. Sentiu-se fraca. Não comia desde o dia anterior, mas o apetite não existia mais. Naquele momento, nada fazia sentido. Apenas tinha um objectivo. Quando as páginas do seu diário e a carta de Gabriel se consumiram totalmente, levantou-se, desolada. Chegara então a hora. Caminhando lentamente, dirigiu-se ao quarto. Os seus passos ecoavam no soalho. Ficou alguns segundos encostada à ombreira da porta, observando o quarto com uma expressão vazia. Depois abriu todas as gavetas e acabou por encontrar o que procurava, embrulhado num lenço de linho. Não sabia porque o guardara. Apenas sabia que agora lhe iria ser útil. Olhou o punhal atentamente. Havia pertencido ao pai. Deslizou um dos dedos pela lâmina, suavemente. Inspirando fundo, deslizou-o novamente, fazendo pressão, com um esgar de dor. Ana sorriu, ao ver o dedo sangrar. Olhou para cima, continuando a sorrir, como se pudesse ver algo no tecto do seu quarto. Soltou uma gargalhada e sussurrou:
- Gabriel, não aguento viver sem ti. Pedes-me que seja feliz, mas só o serei a teu lado. – Olhou a pena que Gabriel lhe deixara, agora pousada em cima da cama. Os seus olhos revelavam alguns sinais de loucura. Com tanto que sofrera, já se adaptara à dor. – Nunca ninguém saberá desta nossa história, uma vez que não ficará ninguém para contá-la. Não sei como vai ser daqui para a frente, nem o que fazer. Falaste-me do Céu e do Inferno. Se me perder, encontra-me. – Olhou-se ao espelho. Nunca a sua beleza estivera em tal declínio. Os olhos pareciam afundar-se cada vez mais na sua face. Os lábios estavam ressequidos e a pele desidratada. – Nem Deus pode impedir que eu e tu sejamos felizes juntos, Gabriel…


Pequeno excerto do meu primeiro livro... "Borboleta"

domingo, 12 de agosto de 2007

Pura magia...


Magia? Não sei… Apenas sei que ter-te de novo ao meu alcance, poder tocar-te, sentir-te, ouvir-te… saber que estás ao meu lado, que não és apenas uma miragem, que realmente és tu o responsável por esta felicidade… Caminhar contigo ao meu lado, ouvir uma resposta quando te pergunto como estás, sorrir-te com cumplicidade… escutar uma vez mais amo-te ao meu ouvido… De repente tudo parece existir para mim: os pássaros que cantam para que eu possa dançar, uma dança melodiosa, suave e delicada; as flores que se inclinam para mim, para que eu possa tocar-lhes, sentir a simplicidade da verdadeira beleza, para que me possa envolver num mundo de cores vivas; a água que corre, para que eu saiba que o tempo não pára, fazendo-me ver que os dias urgem e que a distância não é afinal tão grande; o imenso céu que me guia, me faz perder na sua imensidão, mostrando-me que sou pequenina mas que posso um dia conquistar o mundo… pela força deste amor. E então sinto-me em paz, a serenidade toma conta de mim e a vida ensina-me a esperar e a acreditar que és um anjo…

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Gosto de ti...


Ilumina-me... Pedro Abrunhosa


"Gosto de ti como quem gosta do sábado,

Gosto de ti como quem abraça o fogo,

Gosto de ti como quem vence o espaço,

Como quem abre o regaço,

Como quem salta o vazio,

Um barco aporta no rio,

Um homem morre no esforço,

Sete colinas no dorso

E uma cidade p’ra mim.

Gosto de ti como quem mata o degredo,

Gosto de ti como quem finta o futuro,

Gosto de ti como quem diz não ter medo,

Como quem mente em segredo,

Como quem baila na estrada,

Vestido feito de nada,

As mãos fartas do corpo,

Um beijo louco no porto

E uma cidade p’ra ti.


Enquanto não há amanhã,

Ilumina-me,

Ilumina-me.

Enquanto não há amanhã,

Ilumina-me,

Ilumina-me.


Gosto de ti como uma estrela no dia,

Gosto de ti quando uma nuvem começa,

Gosto de ti quando o teu corpo pedia,

Quando nas mãos me ardia,

Como silêncio na guerra,

Beijos de luz e de terra,

E num passado imperfeito,

Um fogo farto no peito

E um mundo longe de nós.


Enquanto não há amanhã,

Ilumina-me,

Ilumina-me.

Enquanto não há amanhã,

Ilumina-me,

Ilumina-me."


Amo-te...

8ª Parte do 1º Capítulo "Safira"


Estavam cada vez mais próximos. Rafael caminhava atrás. Os Reis passaram por Safira sem para ela olharem, apenas porque não viram a rapariga empoleirada no banco, nem quando ela se curvou para os receber, assim como todos faziam.
O coração da jovem parou momentaneamente. Rafael estava o mais próximo possível dela. Olharam-se com intensidade e sorriram um ao outro, como se de cúmplices se tratassem. Safira baixou o rosto, ainda a sorrir. As raparigas histéricas olhavam-na com inveja. Ela fora a única a quem Rafael sorrira.
A família Real sentou-se, assim que chegou ao fim do tapete de flores. O Rei ao centro, a Rainha do lado direito e Rafael do lado esquerdo. O cocheiro apresentou-se de pé, ao lado de Rafael. Toda a Floresta Dourada estava voltada para eles. O silêncio instalara-se uma vez mais. E então, o Rei levantou-se, acenou a toda a multidão, que aplaudiu entusiasticamente, e pediu que o barulho cessasse.
- Caros amigos da Floresta Dourada. – começou, revelando uma voz grave, mas benevolente. – É com um enorme prazer que venho, uma vez mais, receber a Primavera convosco. Sem mais demoras ou discursos, que comece o Baile da Floresta! – e às suas palavras, toda a gente se dirigiu às mesas , incluindo a família Real, de modo a satisfazer o estômago. Safira desceu do banco, enquanto os Reis e o Príncipe caminhavam novamente pelo tapete de flores, em direcção às mesas. Safira escolheu uma das mesas mais despovoadas e tirou um naco de carne. Saboreou-o com delicadeza e afastou-se, a fim de deixar que outros tivessem oportunidade de se servir. Voltou a sentar-se no seu banco, longe de toda a multidão. Podia observar, por entre espaços, o Príncipe lá longe. Este sorria, num mundo repleto de novidades. Rafael sempre ficara no castelo nos Bailes da Floresta. Não por opção. Apenas porque o Rei insistia que a sua apresentação oficial à Floresta Dourada só seria no dia do seu vigésimo aniversário, tal como mandava a tradição.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Como manter o amor...


“Mãe e filha caminhavam pela praia.
A dada altura, indagou a jovem:
- Mamã, como se faz para manter o amor?
A mãe olhou para a filha e respondeu:
- Apanha um pouco de areia e fecha a mão com força…
A jovem assim fez e reparou que quanto mais forte apertava a areia na mão, mais depressa esta escapava.
- Mamã, assim a areia cai!!!
- Eu sei. Agora abre completamente a mão…
A jovem assim fez.
Mas veio o vento forte e levou consigo a areia que lhe restava da mão.
- Assim também não consigo mantê-la na minha mão!
A mãe, sempre a sorrir, disse-lhe:
- Agora apanha outra vez um pouco de areia e mantém-na na mão semiaberta, como se fosse uma colher: suficientemente fechada para protegê-la e suficientemente aberta para lhe dar liberdade.
A menina seguiu as instruções da mãe: a areia não só não lhe escapava da mão como ficava protegida do vento.
- É assim que se faz durar um amor… - concluiu a mãe.”

retirado de uma revista.

7ª Parte do 1º Capítulo "Safira"


Rafael saiu, deslumbrando tudo e todos com o seu porte altivo. Era um rapaz esbelto e de uma extrema elegância. Ao contrário dos seus pais, não ergueu a mão para cumprimentar todos os que o desejavam ver. Limitou-se a sorrir timidamente. Lançou um olhar em sua volta, admirando tudo com curiosidade, e os seus olhos negros fixaram inevitavelmente a rapariga em cima do tronco, com cabelos dourados, que esvoaçavam ao sabor do vento. Safira sentiu um ligeiro rubor subir à face, assim que o seu olhar se cruzou com o de Rafael. Sorriu.
Uma salva de palmas interrompeu o silêncio que se havia instalado, e as raparigas começaram a gritar pelo nome do Príncipe. Rafael desviou, com alguma relutância, o olhar daquela rapariga que tanto o fascinara desde o primeiro segundo.
As pessoas abriram caminho entre si e algumas mulheres, reservadas para aquela tarefa, espalharam no chão pétalas das mais lindas flores existentes na Floresta, formando assim um belo tapete. Cada uma das mulheres transportava consigo um cesto de verga, repleto de pétalas multicolores. O recente tapete de flores conduzia a um dos extremos da Clareira, onde haviam sido instalados os três melhores bancos talhados nos troncos. Cada um deles estava enfeitado com flores brancas e folhas verdes. Assim que o tapete de flores ficou completo, a família Real caminhou sobre ele. Safira ficara bem a meio do percurso e Rafael iria passar a seu lado. Esta visão deixou-a imediatamente com náuseas.
Os três caminharam lentamente, cumprimentando toda a gente com acenos de cabeça e sorrindo em todas as direcções. As pessoas curvavam-se à passagem deles. Algumas raparigas davam pequenos pulos de euforia, tentando chamar a atenção do Príncipe. Mas pouco ou nada conseguiam. Rafael voltara a fixar o seu olhar em Safira. Parecia que algo o prendia a ela. Não sabia explicar se seria o seu jeito simples, se os seus olhos expressivos ou se o seu sorriso enigmático. Apenas sabia que algo nela lhe sugava o olhar.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

6ª Parte do 1º Capítulo "Safira"




Cruzou a perna para poder retirar uma folha que se colara a um dos seus pés descalços. Era uma das coisas que mais a fascinava: caminhar descalça pela Floresta. O seu pai pedia-lhe que não repetisse a proeza, de cada vez que o fazia. Mas, naquele dia, todos se apresentavam descalços. Era assim há muitos anos. Apenas mais uma tradição que passara de geração em geração. Então, enquanto se mantinha entretida a sacudir os pés com gestos delicados, a população entrou em alvoroço. Safira ergueu o olhar, mas toda a gente se juntara na sua frente, impedindo-a de ter visão sobre o que quer que fosse. Colocou-se de pé, agilmente, no banco em que havia estado sentada, e percebeu o que se estava a passar. O magnificente coche puxado por quatro cavalos brancos via-se já ao fundo da Clareira. O seu coração deu um pulo, querendo saltar a qualquer momento. Algumas raparigas gritavam, histéricas. Safira sorriu com ironia, perante tamanha balbúrdia. O coche parou bem na frente do local onde se encontrava. O cocheiro, um homem atarracado e com uma enorme barriga, desceu e deu uma palmadinha na cabeça de um dos cavalos, abrindo a porta do coche de seguida. De lá saiu um homem alto, de cabelo cinzento e enormes olhos pretos. Vestia um casaco que lhe batia no joelho, castanho e com botões dourados. As calças, justas à perna e também castanhas, perdiam-se por dentro de umas botas de pele, onde o casaco roçava. A sua camisa, bege, era bem enfeitada de enormes rendas da mesma cor. O Rei ergueu a mão e cumprimentou o seu povo. Enquanto isso, o cocheiro ajudava a Rainha a descer, tendo-lhe estendido a mão. A Rainha desceu, imponente e majestosa no seu vestido de veludo verde, que possuía uma enorme roda. Os seios, comprimidos pelo corpete, quase saltavam para fora. O seu cabelo estava preso no alto da cabeça, onde lhe fora colocada uma flor. Transportava consigo um requintado leque, que abanava ligeiramente. Sorriu aos habitantes da Floresta e ergueu também a sua mão para os cumprimentar. E, sem aviso, o tempo parou. Todos se silenciaram para ver o terceiro elemento da família Real descer do coche. Contavam-se pelos dedos os que alguma vez o tinham visto.

Retirado da revista "audácia"


“ À procura da felicidade…
No princípio dos tempos, vários demónios reuniram-se para fazer uma travessura.
Um deles disse:
- Devíamos tirar alguma coisa aos humanos!... Mas o que é que lhes vamos tirar?
Depois de muito matutar, um dos demónios propôs:
- Já sei, vamos tirar-lhes a felicidade. O problema é onde a esconder para que não a possam encontrar.
Alguém levantou a mão:
- Vamos escondê-la no cimo do monte mais alto do mundo.
Imediatamente respondeu o outro:
- Não! Lembra-te que eles têm muita força. Alguém pode subir e encontrá-la e, se a encontra, todos vão saber onde está.
Disse outro:
- Então vamos escondê-la no fundo do mar!
Alguém respondeu:
- Não! Lembra-te de que eles são curiosos e algum dia alguém vai construir um aparelho para poder descer e então vão encontrá-la.
Outro sugeriu:
- Vamos escondê-la num planeta bem longe da Terra.
Mas um demónio ripostou:
- Não! Lembra-te que eles têm inteligência e, algum dia, alguém vai construir uma nave para poder viajar para outros planetas e vai encontrá-la. Então, todos terão a felicidade.
O último dos demónios tinha estado calado a escutar atentamente cada uma das propostas dos demais. Pesou cada uma delas e depois disse:
- Acho que sei onde pôr a felicidade para que realmente nunca a encontrem.
- Onde?
- Vamos escondê-la dentro deles próprios. Estarão tão ocupados a procurá-la fora de si que nunca a encontrarão.
Todos concordaram e desde então é assim: as pessoas passam a vida à procura da felicidade sem saber que a trazem consigo!”

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

5ª Parte do 1º Capítulo "Safira"


Olhou as outras raparigas, com as coroas das mais belas flores a ornamentar-lhes os cabelos. Todas elas, tal como Safira e os restantes habitantes da Floresta Dourada, assim lhe chamavam, haviam-se vestido de branco. O vestido de Safira tocava-lhe um pouco acima dos joelhos e a bainha tinha bordadas, com um fino fio dourado, folhas e flores. Havia pertencido à mãe, em tempos. O vestido realçava as belas formas desenhadas do seu corpo e este assentava-lhe sobre os ombros com umas alças do próprio tecido. Os seus olhos verdes brilhavam, dando-lhe um ar angelical. As jovens da mesma idade apresentavam-se com trajes idênticos aos de Safira, mas nenhuma delas possuía um encanto pessoal. Todas elas riam alto, falavam exageradamente e não disfarçavam a ansiedade. E Safira conhecia o motivo de todo aquele alarido. Como em todos os anos, a família Real descia à Clareira principal para, juntamente com todos os seus súbditos e restantes habitantes da Floresta Dourada, darem as boas-vindas a uma nova Primavera. E para além do Rei e da Rainha, era sabido que também Rafael vinha com eles. Safira não era a única rapariga, naquele espaço, apaixonada pelo Príncipe. Mas talvez fosse a única que guardava para si tais sentimentos. Todas as raparigas sonhavam com aquele jovem de olhos negros e cabelo rebelde. E esse ano trazia uma surpresa. Fora anunciado que, sendo o vigésimo aniversário do primogénito dos Reis da Floresta Dourada, Rafael escolheria, de entre todas as jovens do reino, a mais bela. Safira não tinha qualquer esperança de ser a escolhida. Não havia sido para isso que fora à festa. Apenas queria olhar a face de Rafael uma vez mais.