segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Só para aguçar a curiosidade...


Ana leu a carta pela milésima vez desde que chegara a casa, não se cansando de recordar todos os momentos que vivera ao lado de Gabriel e perguntando-se se tudo aquilo fora realidade. Não chorou. As lágrimas haviam secado. Para sempre. Sentada no sofá, de braços cruzados, olhava a lareira, onde o seu diário ardia vorazmente. Ali escrevera muitas vezes, com o objectivo de imortalizar todos os bons e maus momentos que passara. Se Gabriel lhe pedia para que conservasse a história deles oculta, aquele era um bom princípio. Releu a carta dele uma última vez, antes de a lançar também ao fogo, sentindo uma pontada no coração. Ficou ali, vendo as suas memórias desvanecerem-se. Sentiu-se fraca. Não comia desde o dia anterior, mas o apetite não existia mais. Naquele momento, nada fazia sentido. Apenas tinha um objectivo. Quando as páginas do seu diário e a carta de Gabriel se consumiram totalmente, levantou-se, desolada. Chegara então a hora. Caminhando lentamente, dirigiu-se ao quarto. Os seus passos ecoavam no soalho. Ficou alguns segundos encostada à ombreira da porta, observando o quarto com uma expressão vazia. Depois abriu todas as gavetas e acabou por encontrar o que procurava, embrulhado num lenço de linho. Não sabia porque o guardara. Apenas sabia que agora lhe iria ser útil. Olhou o punhal atentamente. Havia pertencido ao pai. Deslizou um dos dedos pela lâmina, suavemente. Inspirando fundo, deslizou-o novamente, fazendo pressão, com um esgar de dor. Ana sorriu, ao ver o dedo sangrar. Olhou para cima, continuando a sorrir, como se pudesse ver algo no tecto do seu quarto. Soltou uma gargalhada e sussurrou:
- Gabriel, não aguento viver sem ti. Pedes-me que seja feliz, mas só o serei a teu lado. – Olhou a pena que Gabriel lhe deixara, agora pousada em cima da cama. Os seus olhos revelavam alguns sinais de loucura. Com tanto que sofrera, já se adaptara à dor. – Nunca ninguém saberá desta nossa história, uma vez que não ficará ninguém para contá-la. Não sei como vai ser daqui para a frente, nem o que fazer. Falaste-me do Céu e do Inferno. Se me perder, encontra-me. – Olhou-se ao espelho. Nunca a sua beleza estivera em tal declínio. Os olhos pareciam afundar-se cada vez mais na sua face. Os lábios estavam ressequidos e a pele desidratada. – Nem Deus pode impedir que eu e tu sejamos felizes juntos, Gabriel…


Pequeno excerto do meu primeiro livro... "Borboleta"